Fernando Teixeira
2 min readApr 11, 2015

Ano passado, a questão “teria o criador de True Detective plagiado Thomas Ligotti?” causou comoção em certos rincões da internet. A resposta longa envolve noções complexas, tais como os limites entre homenagem e plágio e a apropriação de ideias alheias para fins comerciais, mesmo quando feita com méritos artísticos. Já a resposta curta, e talvez mais correta, seria: sim.

Mas há males que vêm para bem e Ligotti, sujeito que transitou durante boa parte da sua carreira de escritor por diversas editoras pequenas e/ou independentes, devido em parte à atenção inaudita recebida por causa do seriado, será publicado ainda este ano pela Penguim.

Residente e nativo de Detroit, Ligotti (1953) teve uma vida conturbada — várias internações em clínicas psiquiátricas, problemas com drogas (conta-se que ele começou a escrever os contos que fariam sua relativa fama após um fortíssimo ataque de pânico ocasionado por uma bad trip de ácido); hoje, é um semi-recluso — quase não concede entrevistas e há poucas fotos dele circulando pela rede. É também um dos melhores escritores de horror em atividade, se não o melhor. De fato, limitá-lo à categoria imposta pelo gênero parece-me de uma miopia tacanha: em seus melhores momentos, ele associa o inominável horror ao desconhecido ao pavor existencial diante das coisas corriqueiras. Mais ou menos como se Kafka e Lovecraft tivessem procriado, e esse filho tivesse sido batizado por Cioran.

Os longos discursos niilistas de Rust Cohle (personagem de Matthew McConaughey em True Detective) parecem suspeitamente saídos de The Conspiracy Against the Human Race, misto bizarro de tratado filosófico com manifesto artístico em que Ligotti expõe algumas das ideias que lhes são caras e surgem pontualmente na sua ficção — a saber: somos criaturas existindo sem propósito numa rocha suspensa em meio ao vazio do universo e procriar é perpetuar a agonia essencial subjacente à consciência dessa condição de forma de vida existente numa rocha suspensa etc.

Todavia, como o próprio Nic Pizzolatto, criador da série, admitiu a influência, e como finalmente Ligotti parece prestes a receber o merecido reconhecimento, tais questões perdem o propósito. Fica o entusiasmo e a esperança de que, um dia, ele seja traduzido para o português.